O liberalismo, em sua essência, é a recusa de aceitar uma verdade ou uma lei imposta de fora. O homem deve ser livre para julgar por si mesmo a verdade. Cada um tem a sua verdade. No entanto, segundo a doutrina católica, o homem deve crer nas verdades que Deus revelou e que a Igreja ensina infalivelmente.
Esta rebeldia à verdade, que começara a se apoderar dos governos e das leis com a Revolução Francesa (1789), fora mantida fora da Igreja até que o padre católico Felicité Lamennais (1782-1854), que acariciava o sonho de “regenerar” o catolicismo, restituindo-lhe vida e força sob uma nova forma, se propôs “cristianizar” o liberalismo. Criou assim o movimento liberal, fundado no mito do progresso da humanidade, que se manifesta na aspiração crescente dos povos pela liberdade. Esse movimento, explica ele,
“tem seu princípio indestrutível na lei primeira e fundamental pela qual a humanidade tende a se despojar progressivamente dos laços da infância, à medida que cristianismo vai emancipando a inteligência, e os povos alcançam a idade madura. Na Idade Média a humanidade estava na infância e precisava da tutela da Igreja; hoje, os povos já adultos devem emancipar-se dessa tutela, separando a Igreja do Estado”.
Portanto, separação total da Igreja e do Estado, da lei de Deus e da lei dos homens. Em decorrência de sua tese de cada um pode ter sua verdade e poder manifestar publicamente suas opiniões, o Estado deve admitir o livre exercício de todos os cultos pois, segundo ele, existe uma identidade fundamental entre todas as religiões, que são formas diversas na sua expressão cultural da única religião universal. Neste sentido ele se tornou um longínquo ancestral do ecumenismo.
A situação por ele criada agravou-se mais e mais à medida que essas ideias foram sendo aceitas por padres e até bispos. E que passaram a ser defendida por Marc Sagnier, na sua revista Le Sillon. Segundo este último, “o homem só será verdadeiramente homem, digno deste nome, quando tiver adquirido uma consciência clara, fote, independente e autônoma, sem necessidade de mestres, que obedeça somente a si, capaz de levar a diante as maiores responsabilidades.”
O liberalismo religioso teve um efeito devastador. “Em 1976 – escreve Michel Martin – os franceses mostravam-se consternados com a anarquia reinante, especialmente com a desorientação da juventude. Anarquia no ensino, cinema pornográfico, incitação de menores ao desenfreio, venda liberada de contraceptivos, aborto livre etc. Exatamente como tinham previsto os Papas que condenaram o liberalismo”.
Segundo A. Daniele, foi o liberalismo que transformou muitos padres naquelas “cloacas de impureza” de que falou Nossa Senhora em La Salette (1846), e preparou o caminho para o ateísmo militante do Estado socialista.
Condenado sucessivamente por Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, Pio X e Pio XI, o liberalismo se manteve silencioso até o Concílio Vaticano II, quando, graças ao impulso recebido de um prestigioso pensador católico, o francês Jacques Maritain, conseguiu impor-se nos debates. O liberalismo católico de Maritain, com seu “humanismo integral” e o pressuposto de uma “humanidade adulta”, visava criar uma “nova cristandade” não estava centrada em Deus nem em Cristo, e sim na liberdade, em torno da qual poderiam gravitar, em pacífica e proveitosa convivência, católicos, protestantes, judeus, maçons, socialistas, comunistas, budistas etc. Um tipo de cristandade inteiramente secular, como se vê por essas palavras de Henri Fesquet, no Le Journal du Concile: “A humanidade de hoje não é nem acredita ser religiosa, mas tem fé em si mesma”.
No fundo, Maritain não fazia senão atualizar os erros de Lamennais, que desejava casar a Revolução Francesa com o Evangelho.
“Do ponto de vista escatológico – segundo Cámpora – a ‘nova cristandade’ era própria negação de Cristo Rei e do Reino de Cristo. Parecia esquecer que ‘a paz de Cristo no Reino de Cristo’ é a única paz possível para a humanidade. Que uma sociedade na qual a convivência não está centrada em Deus, em Cristo e no Evangelho, se encontra sob o poder do príncipe deste mundo. E que numa tal sociedade a convivência não poderá ser pacífica, pois se apoiará na violência física ou psicopolítica e ainda no terror e na perseguição dos autênticos seguidores de Cristo. Perseguição esta que, seja encoberta e dissimulada ou seja aberta, implacável e oficial, será como a do império mundial do Anticristo”.
A influência do liberalismo no Vaticano II se fez sentir de forma estridente quando da elaboração da Declaração Dignitatis Humanae, sobre a liberdade religiosa. Foi então que o mundo viu estarrecido uma quantidade de proposições condenadas pelos Papas anteriores serem aceitas pelo Concílio. Embora a Declaração afirme que “a única verdadeira religião se encontra na Igreja Católica e Apostólica” e que “todos os homens estão obrigados a procurar a verdade, sobretudo aquela que diz respeito a Deus e à sua Igreja e, depois de conhecê-la, a abraçá-la e praticá-la” (nº 1) logo adiante acrescenta que “a pessoa humana tem direito À liberdade religiosa” (nº2), e que faz parte da dignidade do homem e da sua moderna maturidade seguir a religião que quiser. Ou mesmo nenhuma, pois “há sempre graça quando alguém, não crente em nenhuma religião, ou numa qualquer, aceita a si mesmo como homem” – como se propalou depois do Concílio.
Tais princípios, aparentemente sensatos, estão, no entanto, infectados de liberalismo. Se alguém – escrece A. Daniele – se dá ao trabalho de compará-los com o que sempre ensinou a Igreja a respeito, se dá conta de que o direito fundamental de que se fala é na realidade um delírio, a liberdade que se proclama não passa de indiferentismo, e a dignidade que se exalta é decadência, e isto que se chama de livre escolha sempre foi considerado pela Igreja como erro ou heresia. Permitir a cada um escolher a própria religião significa equiparar a verdade ao erro. Significa afirmar que a verdade não é algo objetivo, mas subjetivo e, portanto, sujeito aos humores, sonhos e utopias que povoam a mente humana.
Em resumo, “essa declaração proclama o direito à liberdade de errar, degradando a própria dignidade na escolha do indiferentismo perante Deus, que vai da sua negação até seu ultraje”. No entanto, “tudo isto é declarado como forma de realizar a dignidade natural do homem. Portanto, Deus teria dado ao ser humano não só o livre arbítrio, mas também o ‘direito’ de escolher o erro”.
Compreende-se então porque por cinco vezes o esquema foi rejeitado pelo Concílio, e cinco vezes voltou com os mesmos termos. Nada menos que 249 padres conciliares o contestaram, alegando grave objeção de consciência. Afinal, se Jesus, em no do Pai, veio anunciar a única religião verdadeira, como era possível admitir que cada um é livre de seguir a religião que apraz, inventar a verdade que prefere?
No entanto, o esquema acabou passando – lembra ainda A. Daniele – “porque fora prometida aos maçons e protestantes a liberdade religiosa, que é um direito inscrito na Declaração de Direitos Humanos, algo jamais acontecido antes. De fato, a Igreja sempre foi pela tolerância, nunca, porém, pela liberdade religiosa de todas as crenças. O erro pode ser tolerado, mas jamais posto em pé de igualdade com a verdade”.
Foi em decorrência desta ótica conciliar sobre a liberdade religiosa que, no encontro de oração pela paz, em Assis, em 1986, se achou normal o espetáculo de bonzos incensando um Buda, colocado sobre o sacrário de um altar católico, do qual tinham removido o crucifixo. E que hoje, facilmente, se ponha em pé de igualdade um Missa e um culto ecumênico.
Em consequência desse liberalismo, o que vemos hoje é um crescente esfriamento na fé no mundo inteiro, a apostasia e a indiferença religiosa abaterem suas resistências como uma leucemia espiritual que a dessangra. E os cristãos perderem mais o senso do pecado, sem que ninguém os alerte.
O que o cardeal Ratzinger disse da Europa, certamente não vale só para aquele continente: “Esta Europa, cristã de nome... é berço de um novo paganismo, que vai crescendo sem parar no coração da Igreja Católica, ameaçando destruí-la por dentro. A imagem da Igreja da era moderna é essencialmente caracterizada pelo fato de se tornar cada vez mais igreja de pagãos, no sentido de que costumam chamar-se de cristãos, mas na realidade são pagãos”.
Silvia Cristina
QUE DEUS TE ABENÇOE!
São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate; sede nosso refúgio contra as maldades e ciladas do demônio. Ordene-lhe Deus, instantemente o pedimos, e vós, príncipe da milícia celeste, pela virtude divina, precipitai no inferno a satanás e a todos os espíritos malignos, que andam pelo mundo para perder as almas. Amém.